29/05/2020

A era da mídia social anti-social

As plataformas de redes sociais continuam registrando forte crescimento – sim, até mesmo o Facebook – apesar da crescente oposição.  A interação social continua ditando as regras na cultura, no ciclo de notícias e até nos nossos relacionamentos mais íntimos. E, hoje, passamos mais tempo do que nunca no celular; grande parte dele, rolando para cima e para baixo os históricos de notícias das redes sociais.

No entanto, se observarmos com mais atenção, veremos detalhes dos usuários das redes sociais com importantes implicações para a forma como as marcas atingem seus consumidores. Especialmente, quando se pensa em quem está – e, mais importante, quem não está – determinando o crescimento e a popularidade das plataformas sociais, um grupo demográfico crucial parece estar em repouso: os jovens.

Por exemplo, os resultados de 2019 da pesquisa da empresa Edison Research and Triton Digital mostram que a utilização de redes sociais, em geral, entre os americanos de 12 a 34 anos está em estabilidade ou caindo, enquanto a pesquisa Global Web Index sugere que a quantidade de tempo dedicada pelos millennials e Geração Z às variadas plataformas sociais mantém-se estável, em queda, ou crescendo abaixo do observado nos anos anteriores.

Para entender o que está por trás dessa mudança, basta conversar com o público jovem. Eles dizem que, após passar anos construindo sua identidade online meticulosamente e acumulando montanhas de “amigos” virtuais, agora querem ser eles mesmos e fazer amigos reais com base em interesses em comum. Também estão em busca de privacidade, segurança e uma trégua da multidão que lota as plataformas sociais – o que inclui seus próprios pais.

Para atingir esse público jovem nas redes, os profissionais de marketing terão de repensar sua abordagem. O primeiro passo é entender as características distintas desses espaços online mais exclusivos e, normalmente, com maior privacidade e interação. Como acredito que dar um nome a uma tendência ajuda a dar um parâmetro para seu entendimento, vou chamar esses espaços de “rodas digitais”.

Enquanto as redes sociais se comparam a um terminal de aeroporto lotado ao qual todos têm acesso, mas onde ninguém gostaria de estar, as rodas digitais seriam um oásis intimista, onde grupos menores adoram se reunir em torno de interesses comuns.

Identifico três categorias de rodas digitais: mensagem privada, microcomunidades e experiências compartilhadas. Algumas delas são uma combinação das três categorias.

Vamos examinar as características de cada uma, assim como de que forma as marcas podem navegar com sucesso pelos desafios de alcançar os públicos desses ambientes.

Rodas de mensagens privadas

Trocar mensagens privadas ou em pequenos grupos – normalmente, mas não necessariamente, com amigos da vida real  – é o principal objetivo da reunião. 

Em 2019, uma pesquisa da ZAK, agência de publicidade com foco no público jovem, revelou que quase dois terços das mil pessoas entrevistadas, todas abaixo de 30 anos, disseram preferir conversar por meio de mensagens privadas, em oposição a fóruns ou páginas abertas. Sessenta por cento delas afirmaram que conversar em grupos privados lhes permite compartilhar de forma mais aberta.

Rodas de mensagens privadas costumam existir nas plataformas de redes sociais. O Messenger do Facebook e o WhatsApp  são os exemplos mais conhecidos. Segundo a pesquisa da ZAK, 38% das pessoas abaixo de 30 anos usam o Facebook apenas na função de mensagem privada. O Instagram, única plataforma com tendência de crescimento entre os americanos jovens, lançou recentemente um novo aplicativo portátil chamado Threads, desenvolvido exclusivamente para mensagens rápidas para amigos próximos, via câmera e texto.

Na maioria das vezes, as marcas não entram nesses bate-papos fechados. Algumas reagiram adaptando tecnologias semelhantes, como mensagens de texto (seja com seres humanos ou chatbots reproduzindo o tom de intimidade característico das conversas entre amigos.

Um exemplo é o Text Rex, serviço de mensagem de texto personalizado para recomendação de restaurantes exclusivo para membros do The Infatuation, site especializado no tema, e um dos favoritos entre os millennials. Os usuários podem digitar perguntas como “Onde posso levar minha/meu namorada(o) para jantar em Manhattan?”, ou “Onde comer o melhor sushi na hora do almoço em Santa Monica?”, e receber respostas de pessoas de verdade (que trabalham no Infatuation).

Outro exemplo é o Community – outro serviço de mensagem de texto lançado no ano passado para ajudar empresas, artistas e famosos a se comunicar diretamente om os fãs via mensagem de texto, “sem acabar enterrado por fluxos de compartilhamento e algoritmos”. Os maiores usuários do Community são as celebridades (entre as quais, Kerry Washington, Amy Schumer e Paul McCartney). Mas algumas marcas como MadHappy, APL e Beautycon também já se cadastraram. A oportunidade para as marcas se comunicarem diretamente com seus consumidores por meio de um canal já utilizado por eles é um movimento promissor.

Dica: Essa é a roda de mais difícil acesso para os profissionais de marketing.  Conheça de perto seu público, para além das simples estatísticas demográficas.  Esforce-se para conhecer os hábitos dele – principalmente, como consomem conteúdo e se comunicam por meio de múltiplas plataformas – e use esses dados para alimentar os canais nos quais se comunica com eles. Pense em como pode atingir os clientes copiando o comportamento deles.

Rodas de micro-comunidades

Fóruns privados ou semi-privados com foco na interação, em que as pessoas se reúnem de acordo com interesses, crenças ou paixões em comum.

Assim como as rodas de mensagem privada, as rodas de microcomunidades normalmente estão dentro de plataformas de redes sociais. O exemplo mais conhecido talvez sejam os Grupos do Facebook. A função “amigos próximos” dos “Stories” do Instagram já se tornou uma ferramenta utilizada por influenciadores digitais para compartilhar conteúdo exclusivo e interagir com grupos pequenos de seguidores, mediante pagamento de uma taxa.  O Slack, mais conhecido como uma ferramenta de mensagens dedicada à área profissional, é também um local onde microcomunidades conectam-se para compartilhar interesses profissionais comuns.

O YouTube sempre foi, e continua sendo, um centro para comunidades altamente específicas, principalmente entre os adolescentes. Certamente, qualquer um pode engajar com um vídeo no YouTube mas a abundância de canais mostra que há espaço para cada nicho de interesse possível e imaginável. Para o usuário, o efeito de navegar em um enorme oceano de conteúdo para achar algo com alguma importância – somado à intimidade produzida pelo estilo de vídeo voltado para a câmera e à fidelidade resultante da assinatura de canais – é revelador. (Não se pode dizer o mesmo do aplicativo chinês Tik Tok, que, apesar do crescimento fenomenal, é fortemente voltado ao consumo de um aparentemente interminável histórico de vídeos de entretenimento alimentado por um algoritmo. Não permite que o usuário se conecte intencionalmente a comunidades de interesse específico).

Rodas de microcomunidades também podem surgir nos locais mais inesperados. Os jovens estão se reunindo, por exemplo, na Discord – uma plataforma de voz e texto desenvolvida para gamers, que já se tornou um pólo invisível para pessoas obcecadas pela beleza, com múltiplos servidores dedicados a tópicos como maquiagem ou produtos que não fazem teste em animais.

As marcas podem se conectar com rodas de microcomunidades já existentes por meio de parcerias com influenciadores, ou investindo tempo e recursos para montar suas próprias rodas do zero – um trabalho mais pesado, obviamente, mas que pode valer a pena.

Exemplo disso é a Sprite, que lançou uma campanha no mercado latino-americano no ano passado, chamada “No Estás Solo” (“Você Não Está Sozinho”).  Com a ajuda de uma agência, a empresa usou dados do Google para determinar pontos fracos específicos que eram tema de buscas por parte dos jovens na internet. Em seguida, estabeleceu fóruns Reddit capitaneados por determinados influenciadores que já tivessem passado pelo mesmo problema, como o sentimento de estar no corpo errado. O resultado foram discussões amargas sobre solidão, coordenadas pela Sprite.

Exemplo parecido foi o do grupo privado Slack criado pela marca de beleza Glossier, frequentemente citada como uma das mais respeitadas por consumidores millennials. Criado exclusivamente para que seus consumidores pudessem conversar sobre assuntos relacionados a beleza, organizar encontros  e discutir produtos, o grupo acabou colaborando no desenvolvimento de um dos produtos campeões de venda da marca, o Milky Jelly Cleanser. Em determinado momento, esse tipo de fórum fez o papel da pesquisa de mercado. Hoje, também funciona como um motor para fãs-clube, ao mesmo tempo em que permite à empresa agilidade de resposta a qualquer tema que possa surgir dali.

Dica: Essas rodas não são registradas pelo Google ou anunciadas pelas próprias plataformas, o que significa que podem ser difíceis de encontrar pelas vias tradicionais. Estude seu público para identificar o rastro que pode levá-lo até suas rodas de microcomunidades. E, então, junte-se a uma roda existente, ou crie a sua própria.

Rodas de compartilhamento de experiências

Fóruns públicos ou privados com o propósito do compartilhamento de experiências – normalmente sobre um interesse específico em comum – em uma comunidade por afinidade.

Talvez, o melhor exemplo desse tipo de comunidade seja Fortnite um vídeo-game multiplayer com mais de 200 milhões de usuários, dos quais, oito milhões estão online o tempo inteiro. O jogo já se tornou uma verdadeira rede social, graças ao papel que ocupa na vida de seus jogadores. De fato, metade dos adolescentes dizem jogar para se conectar com os amigos – alguns dos quais sequer conhecem pessoalmente. A maior parte deles chega a passar de seis a dez horas por semana ligada na plataforma. No ano passado, o DJ de EDM (Electronic Dance Music) Marshmello fez um show virtual dentro do jogo, com a “presença” de 10,7 milhões de pessoas. O Fortnite faz parte da categoria de entretenimento, mas, mais do que isso, é um catalizador ao juntar pessoas com interesses comuns para compartilhar experiências. E a curva de aprendizado do jogo lhe confere uma aura de exclusividade.

A plataforma de streaming de vídeo Twitch tem função semelhante. Transmissões ao vivo, em grande parte de gamers compartilhando seu próprio jogocom comentários em áudio para fãs, que podem assistir e interagir via chat. Os usuários to Twitch consumiram 592 bilhões de minutos de conteúdo livestream no ano passado, e, recentemente o Twitch acrescentou categorias além de jogos, como música e esporte. Assim como aconteceu com o Fortnite, a característica principal do Twitch é seu valor de entretenimento, mas a fidelidade resulta de sua comunidade e do entusiasmo que se forma em torno de um interesse em comum.

Portanto, como os profissionais de marketing podem mirar a roda de compartilhamento de experiências específica do seu público? Da mesma forma em que nas demais rodas, precisam, antes, identificar as comunidades e partes da cultura em que se encaixa sua marca. Depois, determinar as experiências online que esses públicos procuram. Marcas como NFL, Marvel, e Nike têm feito exatamente isso; alavancar o Fortnite, por exemplo, para alcançar seu público, vendendo “skins” (armas e fantasias estilizadas para customização dos avatares no jogo), criando jogos em mashup e lançando produtos em edição limitada dentro do jogo.

Dica: O segredo é a customização. Não reproduza simplesmente o que acontece nas outras plataformas, o que pode acabar sendo “um tiro no pé”. Em vez disso, preste atenção no comportamento das pessoas que fazem parte da roda que quer atingir e tente imaginar que valores você pode acrescentar a elas. Por fim, seja criativo com relação aos produtos e mensagens que usará para engajá-las.

Sem dúvida, a tendência das rodas digitais está no radar das grandes plataformas sociais.  “Hoje, já vemos que as mensagens privadas, as histórias passageiras e os pequenos grupos são as áreas de maior crescimento na comunicação online”, escreveu Mark Zuckerberg em um post público em março de 2019, ao anunciar a mudança de estratégia para um modelo de comunicação de maior privacidade.

Zuckerberg está atento a essa mudança não apenas porque os dados mostram que o Facebook está perdendo o público jovem, mas também porque o redirecionamento de atenção aos formatos de comunicação mais privados representa um desafio maior para a empresa.  Cerca de 98% do faturamento do Facebook vem da publicidade, e o público dentro de fóruns mais fechados é mais difícil de ser atingido em maior escala.

Não é simples atingir o público reunido em uma roda digital. Mas, com o crescimento das redes sociais, e sua consequente superlotação, torna-se naturalmente mais difícil e caro atingir seus integrantes. Dessa forma, as rodas digitais tornam-se uma alternativa muito mais atraente – que demanda mais trabalho de campo e uma análise mais cuidadosa, mas com alto potencial de retorno para as marcas em termos de fidelidade, retenção e amor duradouro.


Sara Wilson é estrategista de marcas e conteúdo digital, e ajuda empresas e influenciadores a encontrar, engajar e construir seu público nos diversos canais digitais. Como fundadora e diretora da SW Projects, presta consultoria a marcas como Bumble, The New York Times, National Geographic, Sony Pictures Television, Bustle, Playboy, entre outras. Antes de fundar a SW Projects, supervisionou parcerias de estilo de vida no Facebook e Instagram.

Autor: Sara Wilson FONTE: Harvard Business Review Brasil

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