10/06/2020

Trabalho em home office: explorando realidades e percepções no cenário covid-19

No início de março de 2020, o surto da Covid-19 foi oficialmente declarado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como pandemia. Uma nova conjuntura foi instaurada em âmbito global. Os governos decretaram o funcionamento apenas dos serviços essenciais. A política de isolamento social exigiu que as pessoas ficassem em suas casas, com o mínimo deslocamento externo possível.

Empresas no mundo inteiro tiveram que fechar seus escritórios, chão de fábrica e pontos de venda. O trabalho remoto realizado em home office (HO) se tornou realidade para grande parte dos trabalhadores. Para muitos deles, uma transição abrupta e compulsória.

Apesar da velocidade e escala da mudança, empresas de todos os setores demonstraram se adaptar bem a esta modalidade de trabalho. O HO já fazia parte das discussões acerca do futuro do trabalho. Uma tendência que, embora crescente, ainda não era muito disseminada no Brasil. Agora, é uma das que mais avançou, tornando-se pauta das diretorias de recursos humanos. Os que já a adotaram há mais tempo, expressam vantagens ligadas à flexibilidade, economia e qualidade de vida. Outros, puderam ver na prática seus benefícios no momento atual, mesmo diante da crise. Desta forma, acredita-se que, para entender o caminho do trabalho pós-Covid-19, a prática do HO constitui uma boa lente.

A pesquisa

Duas semanas após a instauração do isolamento social, professores e pesquisadores da Fundação Dom Cabral (FDC) realizaram uma pesquisa para levantar as percepções dos trabalhadores sobre o trabalho remoto em HO. Seu objetivo: compreender os impactos da adoção desta forma de trabalhar em meio ao cenário imposto pela disseminação da Covid-19.

Ao todo, a pesquisa obteve 636 respostas válidas coletadas por meio de e-survey enviada para as bases de clientes da empresa Grant Thornton e do Centro de Referência em Estratégia (CRE-FDC). O período de vigência da coleta foi entre os dias 26 de março e 5 de abril de 2020. O questionário contou com 14 questões alternadas entre perguntas fechadas e abertas.

O perfil dos respondentes se caracteriza pela localização predominante na região Sudeste do país (82%). Em termos de faixa etária, a maior parte (46%) se concentra na Geração Y (entre 29 e 39 anos). Predomina também a atuação dos respondentes em empresas de grande porte (46,12%), e em posições de nível estratégico e tático. O setor mais representado na pesquisa foi o de serviços (57%).

O lado positivo

Segundo os dados obtidos, apenas 4,96% dos respondentes afirmaram ter trabalhado em HO diariamente antes de 1º de janeiro, momento em que surgiram os primeiros sinais do que hoje se caracteriza como pandemia. Portanto, para a maior parte dos respondentes, a experiência do trabalho remoto em HO foi uma novidade. Apesar das circunstâncias específicas do momento que exige isolamento social, os respondentes expressaram uma percepção positiva do HO em múltiplas dimensões.

Um dos quesitos mais destacados foi a produtividade, tanto em questão fechada quanto em perguntas abertas. Entre os respondentes, 31,69% afirmaram ser mais produtivo no trabalho remoto em HO do que na situação anterior. Além disto, 37,97% não perceberam queda na produtividade com a transição do formato de trabalho. Pelo contrário, afirmaram manter níveis semelhantes aos obtidos no escritório junto aos demais colaboradores.

As causas para percepção de aumento ou manutenção da produtividade podem estar ligadas aos níveis de concordância com as seguintes afirmações: “minha organização possui procedimentos e processos que me ajudam a trabalhar remotamente” (43,20% concordam totalmente); e “o espaço físico que dedico ao trabalho permite que eu produza remotamente” (49,18% concordam totalmente).

Outras razões para a percepção favorável da experiência em HO foram destacadas pelos próprios respondentes em questão aberta. Dos 188 que, espontaneamente, fizeram comentários adicionais, 46,8% manifestaram aspectos positivos. O primeiro deles é a economia de tempo, energia e recursos nos deslocamentos diários. Importante lembrar que este aspecto é validado pela concordância, em questão fechada, com a afirmativa “fico feliz em evitar o deslocamento diário para o local de trabalho” (54,71% concordam totalmente). A seguir, alguns extratos das respostas ilustram a importância deste quesito.

“Meu desgaste físico diminuiu drasticamente em função da ruptura do deslocamento casa-trabalho”
“Acredito que o ganho de tempo, em média duas horas por dia, compensa muito. Isso sem contar a economia para a empresa, visto que há significativa redução de custos operacionais”
“A experiência é muito boa, visto que eu levo 3h para chegar ao trabalho todos os dias. Estou bem mais descansada, consigo desenvolver minhas atividades com mais disposição e eficiência, pois não preciso acordar 3:40h da manhã para ir ao trabalho. Não tem, a todo momento, pessoas solicitando suporte, consigo dar esse suporte pelas redes no meu tempo, não atrasando minhas atividades. Seria ótimo se pudéssemos fazer home office pelo menos uma vez por semana”
“Tenho maior concentração, menos interferência e mais horas de trabalho por não ter que me deslocar de casa ou mesmo do escritório para reuniões”

O senso de melhora na qualidade de vida também se destaca entre os respondentes e tem origem não apenas na questão do deslocamento, mas na percepção de que o ambiente de casa é diferente do escritório. Embora o contexto da pandemia exija que todos estejam em casa ao mesmo tempo, os respondentes mantiveram o registro positivo. Alguns expressaram este aspecto da seguinte forma:

“Estou aproveitando a aproximação com a minha filha de um ano. Participando intensamente do desenvolvimento dela. Posso planejar meu tempo. E ainda meu trabalho rende mais porque não tenho de ficar dando atenção para conversas paralelas dos colegas de trabalho.”
“Acho menos estressante trabalhar em casa. Consigo fluir em minhas atividades até mais rápido do que quando estou em um ambiente tenso”
“O ambiente familiar nos permite ter um dia de trabalho maravilhoso! No home office podemos tomar café juntos, almoçar. Coisas que quando estamos no escritório não é possível. E esses momentos nos deixam mais felizes”
“Creio que tenho trabalhado mais que na empresa, mas o conforto de trabalhar mais à vontade não se compara com o trabalho formal”

Contudo, é preciso um contraponto no que diz respeito à questão de equilíbrio casa-trabalho. Embora diante da afirmativa “eu tenho um bom equilíbrio entre vida profissional e pessoal”, com a qual 31,09% dos respondentes concordaram totalmente – e isto se reflita nas respostas abertas sobre este quesito – é preciso considerar que 42,15% concordaram parcialmente. É por isso que existem ressalvas nas manifestações em resposta aberta que merecem atenção.

As circunstâncias atuais tornam este equilíbrio, já complexo em tempos normais, ainda mais delicado. Existem as dificuldades próprias da adaptação a esse momento em particular no qual outros membros da família, especialmente os filhos, também estão em casa o tempo todo e demandam atenção com relação aos estudos online. Além disso, há de se considerar que, os que se encontram nesta situação, não contam com o apoio de seus ajudantes (diaristas, babás, etc.), pois é preciso que estes também cumpram a quarentena. Portanto, isso resulta em um acúmulo de atividades (trabalho e casa) e dificuldades no estabelecimento da rotina. Segundo os respondentes, o trabalho remoto em HO é uma modalidade benéfica, mas na situação atual tem um custo de adaptação para o qual muitos não estavam preparados. Os extratos das respostas a seguir, ilustram este ponto.

“O trabalho remoto em tempos de isolamento pela Covid-19 não pode ser medido como seria em tempos normais, pois temos crianças em casa, falta de apoio de diaristas, etc. Por mais regrado que o profissional seja, precisa coordenar essas tarefas”
“Estamos vivendo um momento atípico, mas em condições normais de temperatura e pressão, o trabalho remoto algumas vezes por semana é saudável, incentiva a autonomia, a autogestão, melhora a criatividade e a satisfação do colaborador”
“A situação que avaliei quanto às atividades e interrupções se refere ao período atual. Antes do coronavírus, eu já fazia home office e a produtividade era maior do que no escritório”
“Para as mães, o trabalho remoto provoca cansaço excessivo, e em alguns momentos somos tomadas pelas atribuições da casa e dos filhos. O horário de almoço desapareceu. Tenho a percepção que meus pares e gestores que não possuem filhos, percebem meu desempenho pior que o trabalho presencial”

Os receios

Quando perguntados se tinham intenção de propor aos seus gestores a continuidade do trabalho remoto em HO após flexibilização do isolamento, 54,11% dos respondentes afirmaram que sim. Contudo, 13,9% optaram por “talvez, pois ainda tenho dúvidas ou receios”. Estes respondentes foram, então, convidados a manifestar suas preocupações em resposta aberta. O gráfico a seguir mostra as principais categorias de resposta, sendo as mais pontuadas: 1. A percepção de uma resistência dos gestores, da cultura empresarial e do ambiente de trabalho; 2. O anseio pela possibilidade de alternar o trabalho em HO e no escritório; 3. Os desafios referentes à concentração e comprometimento no HO.

Gráfico: afirmações, dúvidas e receios

Fonte: autores da pesquisa (P7)

Número de respostas: 669

As questões da tabela exploram estas aparentes divergências e oferecem pistas sobre o que se encontra por trás das preocupações indicadas anteriormente. A indicação majoritária do item “preocupo-me com a forma como meus gestores/líderes me avaliarão quanto ao meu trabalho remoto” sugere a necessidade de adaptação, e estabelecimento de critérios claros de avaliação do trabalho feito na modalidade HO para que novos padrões de relacionamento de confiança sejam construídos. Além disso, embora haja concordância total de 36,47% com a assertiva “meu gestor/líder é eficaz em me ajudar a lidar com o trabalho remoto”, há sinais de que existem oportunidades para que as empresas ofereçam suporte para melhor execução do trabalho em HO. Esses pontos, além de explicar parte do receio quanto à categoria “resistência dos gestores”, também fazem parte dos “desafios de concentração e comprometimento” quanto à visibilidade e avaliação do desempenho do trabalho em HO.

A categoria “flexibilidade entre HO e escritório” é uma perspectiva futura que se relaciona com a concordância majoritária (total e parcial) aos itens “sinto falta de interagir presencialmente com meus colegas de trabalho” e “meu trabalho exige que eu esteja em constante comunicação com meus colegas”. Portanto, além do sentimento de falta do contato presencial, especialmente na conjuntura atual, existem atividades cuja natureza exigem a interação, ainda que parcial.

Os resultados da pesquisa chamam a atenção para alguns aspectos que servem de reflexão e alerta para os desenvolvimentos da prática de HO no cenário pós-Covid-19.

A continuidade do HO

O primeiro deles se refere ao anseio dos respondentes pela continuidade do HO, sob algumas condições. Certamente, um paradigma foi quebrado. Muitas empresas que não cogitavam ou ainda estavam receosas em adotar o HO, precisaram fazê-lo mesmo assim. A migração imposta trouxe consigo desafios e aprendizados.

Em outra pesquisa, a FDC apontou que, em todos os setores, a maior parte das empresas espera que as novas práticas de HO permaneçam após a crise. Empresas como Twitter e XP anunciaram recentemente a intenção de adotar o HO de maneira permanente. Embora, conforme destacado na pesquisa, esta modalidade não se aplique a todo tipo de tarefa, observa-se que a experiência dos respondentes requer uma decisão compartilhada e não impositiva. Existem riscos em tomar o contraponto da adoção permanente sem entender que os colaboradores desejam ser envolvidos na decisão de flexibilidade. E esta se refere não apenas à frequência, mas também ao uso dos espaços para o trabalho remoto, uma vez que ele não precisa necessariamente ser realizado em HO.

O equilíbrio entre vida pessoal e profissional

Em segundo lugar, não obstante as percepções positivas sobre a experiência, é válido o alerta de que avaliar o HO nas condições atuais pode distorcer seu potencial. Estamos em um momento de exaustão cognitiva e emocional que não pode ser ignorado e influencia o equilíbrio entre vida pessoal e profissional.

As empresas devem considerar as oportunidades de aprendizado de como ceder ou absorver um pouco de controle, respeitando e preservando a qualidade de vida dos colaboradores. É importante fazer acordos e estabelecer mecanismos que tenham a confiança como paradigma e medir a performance mais a partir das entregas e menos do controle de tempo. É assim que a Netflix, por exemplo, gosta de definir a sua cultura: “liberdade e responsabilidade”, segundo Patty Mccord, ex-VP de Gente da empresa. Qualquer prática de gestão de pessoas decorrente deste cenário, deve ter como base o fato de que precisaremos reestabelecer fronteiras entre a vida pessoal e o trabalho, especialmente com relação à gestão do tempo, comunicação e demandas.

A segurança no trabalho remoto

Os dados indicaram que, no momento da realização da pesquisa, os respondentes demonstravam confiança na tecnologia para o trabalho em HO. Porém, o aspecto da segurança ainda não era alvo de preocupação. Contudo, o tempo nos mostrou que as empresas não podem deixar de prover mecanismos e instrução adequada para garantir acesso sem comprometer a privacidade e a confidencialidade de suas informações. Na medida em que o contexto de crise perdurar, o repertório de experiências, aprendizados e novos caminhos vai requerer análise cuidadosa e aplicação participativa.


Fabian Salum é professor da Fundação Dom Cabral nas áreas de Estratégia e Inovação. Coordenador do Centro de Referência em Estratégia da Fundação Dom Cabral. Doutor em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e INSEAD, França. Atuou por mais de 22 anos como executivo de multinacionais, fundador de startup, empreendedor, consultor e com sólida experiência internacional.


Karina Coleta é professora convidada da Fundação Dom Cabral nas áreas de Estratégia e Modelos de Negócio. Atua também como pesquisadora do Centro de Referência em Estratégia da FDC. Doutora em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.


Paul Ferreira é professor de Liderança e Estratégia e diretor do Centro de Liderança da Fundação Dom Cabral. Com MBA e doutorado pela Universidade de Genebra, Suíça, atuou em diversas funções como CEO, fundador de startups, gerente sênior e consultor, assim como em vários países acumulando sólida experiência internacional e corporativa.

Autor: Fabian Salum, Karina Coleta e Paul Ferreira FONTE: Harvard Business Review Brasil

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